quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Impressões sobre o 1° Congresso Brasileiro de Moda - 2° dia

O segundo dia do Congresso teve a primeira mesa coordenada pelo prof. Dr. Cláudio Freitas Magalhães, da PUC. O tema proposto foi o design como fator de diferenciação – e como gerar valor por meio do design.  

Ricardo Leite da empresa Crama de design estratégico iniciou sua fala nos fazendo pensar sobre o panorama de um mundo completamente estagnado pela informação, consumismo, novas tecnologias e a rapidez com que um objeto novo se torna obsoleto antes mesmo que  você comece a aprender a usar todas as  suas funções.  Para ilustrar suas compreensões sobre o papel do design como diferencial, Ricardo citou experiências com sua filha de 10 anos, que já percebe o mundo de um prisma onde a tecnologia está harmonicamente integrada a sua rotina – e que conceitos sobre a sustentabilidade e ecologia também já foram absorvidos pela pequena, que já entende e valoriza a informação sobre o consumo consciente.

O designer citou o Steve Jobs para falar sobre inovação. Inovar na sua visão é uma atitude que sempre existiu, intrínseca ao ser humano que para sobreviver – e perpetuar, como disse Darwin, sempre teve que usar sua criatividade e inovar.

Para Ricardo a palavra inovação está em alta e estamos vivendo em uma época de questionamentos que partem de todos os setores da sociedade. Ele defende que hoje em dia as pessoas estão mais exigentes e não ficam passivas à falta de criatividade, o que torna o mundo mais inspirado – marcas, empresas e designers precisam ser mais criativos para atender a uma economia que não segmenta mercado por público consumidor  e sim com o olhar sobre um homem individual, um ser complexo com necessidades e desejos diferentes entre si. A moda nesse contexto está dentro de uma economia criativa de produtos customizados e assim sendo, serve de exemplo para outras esferas do consumo.

A segunda palavra da vez depois de inovação é sustentabilidade, na visão do diretor da Crama hoje vivemos uma época em que estamos em constante cobrança – desde a calça jeans que você compra até a latinha de alumínio, sempre há o apelo para o ecológico, precisamos entender também essa dimensão e seus impactos econômicos, pois cada dia mais as empresas (clientes da agencias publicitárias e de design estratégico) buscam vincular sua marca aos conceitos de uma ética ambiental.

Finalizou a fala e as imagens que usava de apoio concluindo que a inovação é a busca por soluções melhores para vida humana – mas que ela sempre existiu.

Após a fala de Ricardo, o jovem designer de moda vindo do sul do país se apresentou e contou sua trajetória profissional. Ele começou “pela porta dos fundos” – como fez questão de colocar. Já com dez anos de experiência, o Felipe Caprestano teve influencia direta de sua família, que como é muito comum no sul do Brasil, muitas são as fábricas e empresas familiares de moda e têxtil. Ele criou uma marca que amadureceu junto com ele, na época, Felipe conta que ele tinha apenas 17 anos e criou para si uma moda autoral e street – essa marca rendeu frutos e ele foi convidado para outro setor da indústria: a malharia. Lá, apesar das dificuldades que na voz dele, todos os designers  enfrentam ao entrar para uma empresa familiar, pelo seu aspecto fechado – mas que  com o advento da concorrência, dos chineses no mercado e as novas necessidades e demandas, mudanças foram necessárias e hoje o perfil dessas empresas mudou – se modernizou .

Felipe conta que precisou mudar a forma de organização interna e com isso obteve resultados melhores. Ele descentralizou o departamento de criação e imprimiu uma forma nova de trabalhar: sem se dar o luxo de ser autoral mas sem perder o estilo, dessa vez de forma camaleônica. Felipe conta que ao mesmo tempo integrou todos os funcionários na busca por soluções de criação – incluindo até o operador de máquinas. 

Para ele essas mudanças no cenário da indústria no Sul possuem também um forte apelo na busca por uma valorização e identidade – ele cita as diferenças entre os centros urbanos Rio de Janeiro e São Paulo e completa o pensamento dizendo que eles não querem ter que sair de lá, e sim ter o mesmo reconhecimento que os profissionais das capitais possuem – “queremos ter nosso lugar e ser reconhecidos lá ”- (no Sul).
Para fechar sua fala Felipe nos trouxe uma sessão de imagens de um trabalho autoral que ele faz artesanalmente, eram máscaras carregadas de conceitos. Através do seu próprio blog ele posta o passo-a-passo da ideia – da concepção e estilo até a prática: a modelagem, corte, colagem, costura. E depois ainda posa em fotos artísticas. Tal trabalho já lhe rendeu exposições e convites para palestras.

A estilista Karla Girotto me surpreendeu. Karla tem uma fala rápida, uma agilidade mental que faz com que você não pisque, pois ela conseguiu unir um tom informal, do designer, da artista sustentado pela fala bastante reflexiva embasada em pesquisas profundas – em alguns momentos você não sabia se estava ouvindo uma designer, uma empresária ou uma pesquisadora acadêmica, e isso tudo, essa mistura foi muito boa, talvez o equilíbrio certo para  um tema tão instigante: o processo de criação no dia a dia e a questão que emerge como principal relacionada ao tema proposto pelo congresso; o design como diferenciador.

De forma inovadora, Karla nos pediu para ao invés de olhar para um quadro cheio de imagens, olhar para o nosso interno e dentro dele buscar qual foi a última imagem que nos marcou e reverberou – ela disse que não usaria mais imagens, pois acredita que o mundo já está esgotado delas e que tal fenômeno além de saturar significados  nos deixa confusos de qual o caminho seguir para o trabalho de criação.

Para a estilista o principal trabalho que temos de criação é saber nos posicionar fazendo a pergunta: de onde vêm as coisas. Esse questionamento remete a reflexão sobre o mundo dos objetos: “e por que nasce um objeto em um mundo cheio de objetos?” – como na moda que lança algo que em seguida mata o que foi lançado para poder ressurgir com o novo (de novo e infinitamente).

Karla usou três figuras para ilustrar suas colocações: a cartografia, os mapas e o atlas. Na primeira ela diz que trata-se de uma paisagem em formação sem limites ou fronteiras fixas, que é psicossocial , que através dessa ferramenta você se aproxima dos desejos do mundo. Fazer isso não é tarefa fácil, ela usa a pesquisa e a sensibilidade além de se posicionar sempre com uma atitude crítica para além da pesquisa imagética. O sensorial é fundamental nessa esfera que é subjetiva, assim ela capta as informações (ou códigos) para criar um mapa.

O mapa é delimitado, também é uma ferramenta para abrir as portas para o campo da comunicação, nessa etapa usar por exemplo as mídias sociais como o facebook é fundamental para captar essa subjetividade acima citada e para fazer os recortes e criar pontes de informação. Um outro exemplo é o pensamento da coleção, através desse mapa você tem mais percepção do que pode ser mais usado, do que pode ser um objeto de desejo – com todos os desdobramentos que vão além do objeto, que cria vida, se prolonga e se une com o ser que pelo objeto cria uma relação de afeto.

Quando ela fala do atlas, o resume como o resultado das etapas acima, sendo ele o catálogo de tudo que foi visto; das reflexões, estudos, pesquisas e que se concretiza com o objeto. O objeto para ela talvez seja a ponte de tudo isso, é a forma de materializar e congelar algo tornando-o palpável, transformando-o em objetividade, aliás tal palavra vem de objeto, Karla fez pesquisas sobre a origem das palavras que ela mais usou e narrou o por que da palavra objeto e fetiche (no contexto moda e consumo). O objeto congela o tempo, amplia o mundo e desta forma devemos tomar muito cuidado ao criar objetos, pois, “tudo que criamos reverberará no mundo”. Surge a partir daí uma outra palavra de significado para Karla: a potência que faz com que as coisas sobrevivam na cultura material, ou, que faz um objeto não desaparecer .

Voltando a questão do fetiche na moda e no consumo, com uma vasta literatura, para Karla o design transcende aquilo para qual ele é feito. Citou o exemplo do IPhone da Apple, que é um telefone que é muito mais que um telefone porque carrega muito mais que sua função além da questão do simbolismo, do status, da ideologia e também da moda.

Uma observação que faço, quando as palavras chaves eram inovação e design associado à tecnologia, Steve Jobs era o nome citado, que por coincidência acabara de falecer (dia desse encontro, 06 de outubro de 2011).
Janara Morenna.



O 4° painel – a segunda mesa do segundo dia (06 de outubro) teve como coordenação o André Robic também diretor executivo e presidente do IModa e IBModa, os realizadores do evento. Para este último painel tivemos como foco das discussões a questão da marca como fator gerador de negócios.

O Fernando Sigal da marca carioca Reserva tinha muitos motivos para além do verbo expressar um constante sorriso nos lábios. Ao contrário do que muita gente pode imaginar, a empresa dos “Jet street wear” – aqui me atrevo a brincar com esses termos, não nasceu na rua mais badalada do Leblon já cheia de capital financeiro.  Os sócios Fernando e Rony Meisler, amigos de infância, lutaram muito para fazer a marca ser o que ela é hoje: forte, consolidada e com um diferencial importante que é o seu posicionamento no mercado.

Fernando nos contou como a ideia surgiu; do cotidiano uma simples observação fez com que ele e o seu sócio enxergassem uma oportunidade, a demanda em um mercado saturado, o da moda – perceberam que apesar das muitas marcas existentes, estavam todos ali em uma sala de musculação trajando a mesma bermuda – e olhando ao redor a constatação tomou força. A partir daí decidiram se aventurar na indústria da moda e começaram a descobrir o que queriam e como eles poderiam tornar um sonho em realidade e uma festa em um negócio lucrativo.

Da jornada contada pelo Fernando, peças que tiveram uma tiragem de 300 se tornaram logo  3 mil e assim nascia também a originalidade para escoar tais peças,  também um outro diferencial da marca. Dos momentos apertados de grana o jeito era contar com os amigos e fazer lançamentos em locais como galerias de arte, com direito a biscoito Globo e Mate Leão, jeito bem carioca e gostoso de ser. Essa fórmula low profile  e irreverente foi formando a cultura da marca – e assim uma identidade delimitada tomava cada vez mais forma e seu público crescia.

Do pequeno atelier na Gávea até a primeira loja em Ipanema, o empreendedor dizia com aquele sorriso, que a “festa estava dando certo” – a palavra festa se repetia em vários contextos de sua fala, a festa no meu entendimento fazia parte de um dos valores que compunham os elementos para a formação daquela marca – o conceito para o posicionamento certo, para um público segmentado e estudado, onde o life style carioca  é percebido em todos os detalhes da marca, da loja que parece ser um loft até a decoração com geladeiras antigas (lindas!) reformadas e cheias de Devassas geladíssimas – no fim das contas aquele cliente que estava só passando acabava capturado por uma vitrine diferente...  e se sentia tão em casa... tão estimulado pelo clima de festa com vendedores (que fazem parte daquele contexto, são geralmente os amigos do cliente) - que  acabava saindo com pelo menos uma sacolinha de lá e um pouco mais feliz – pelo menos até a fatura do cartão – mas esse já é outro assunto, que também faz parte da estratégia da marca.

Essa festa às vezes parecia que não ia dar certo, disse Fernando, em alguns momentos muitos questionamentos foram colocados pelos administradores da marca, por exemplo sobre o preço, na visão de um dos sócios, “um precinho nunca vira preção, mas um preção pode virar precinho” – com essa visão eles decidiram insistir no público jovem classe A – a elite carioca moderninha.

Em um segundo momento, já intuindo o quão poderiam crescer, notaram  que para que fosse de forma segura, teriam que  investir em conhecimento – o  que garantiria também mais eficiência para dar conta do atacado, das multimarcas, etc.  E assim surgiram outras possibilidades, a marca cresceu e deu frutos, que são as outras sub-marcas, inclusive uma delas conta com um sócio famoso, o Luciano Hulk.

Para Fernando uma parceria de sucesso é fundamental, ele deixa claro o quanto se orgulha de seu parceiro e amigo de infância, notei que existia uma relação de cumplicidade para além da afinidade e respeito, talvez esse tenha sido mais um fator determinante para a consolidação da marca, que como todos que sabem, uma sociedade é algo sempre muito complexo e perigoso.

Para fechar a apresentação e após exibir muitos números significativos da Reserva, Fernando fez questão de falar mais um pouco sobre como seu sócio Rony usava sua criatividade e ousadia em suas pesquisas e coleções, há algo vibrante por trás de sua fala, uma alegria que é exprimida através da imagem de uma foto do sócio em um backstage de desfile que exibia na estampa da camisa algo do tipo: “ O importante é saber rir de nós mesmos “ e ele completa a frase na certeza de que eles podem também mudar o mundo de alguma forma e para melhor –  aliás, saiu uma foto de um criminoso sendo preso com a camisa deles, aquele passarinho enorme estampado, perguntaram-lhe o que eles fizeram e ele disse que eles decidiram investir para a reinserção daquele indivíduo no contexto social. Aproveitei o gancho para saber como ele se posiciona com relação aos apelos para uma possível moda ecológica e como ele enxerga o papel da indústria e do governo para o incentivo do uso de tecnologia que facilitem tornar essa utopia possível e realizável.

Eles  possuem projetos com ONG´s e já usaram a malha de pet, mas como a maioria dos empresários de moda, confessou  carecer de informação para a alternativa, creio que pelo fato de não haver no mercado uma ação objetiva para aproximar empresas bacanas de possibilidades mais bacanas ainda. Minha pergunta foi em cima de uma crítica que faço com relação a dois fatores nesse contexto: 1 – a falta de incentivos do governo e indústria para fomentar o desenvolvimento de novas tecnologias para tornar os processos da indústria têxtil menos impactantes ao meio ambiente, e 2 – para saber se eles usavam termos que remetem a esses conceitos de formas irresponsável, como infelizmente a maioria das empresas de moda faz, se apropriando de valores que não são coerentes com o que é vendido –de fato. Mas felizmente :-) o Fernando respondeu da melhor forma, não quis se estender porque não dominava o tema, disse ter interesse em pesquisar mais o assunto e com o sorriso no rosto passou a bola para o pessoal da marca Mercatto.

Você pode usar esse texto desde que me peça antes (IBModa está autorizado) e não esqueça dos créditos e fonte (este blog).

Janara Morenna.

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